Se pensarmos no mundo do trabalho na Idade Média (pelo menos, no feudalismo europeu), o que no ocorre é pensarmos em percursos bastantes opacos e lineares, em sintonia com contextos temporais vagarosos, eles próprios pautados por pouco dinamismo e mudança. Muito provavelmente, as pessoas, de diferentes estratos, nasciam, aprendiam a profissão dos seus pais e desempenhariam essa profissão até ao final das suas (curtas) vidas – a esperança média de vida era, de facto, curta. A Revolução Industrial representou um marco histórico na transformação das relações das pessoas com o trabalho, ao introduzir um deslocamento (social, cultural e económico) entre a casa e o trabalho, mas não alterou o sistema de linearidade que permeara essas mesmas relações: o século XIX e início do século XX continuam a ser períodos da história em que as pessoas desempenhavam o mesmo trabalho ao longo da sua vida e, por consequente, a ideia de uma carreira relativamente sólida antevia-se como uma forte probabilidade, para qualquer “classe social”. Já o advento da Revolução tecnológica e digital, acompanhado por transformações políticas com grande impacto nas relações sociais – como, por exemplo, a globalização e a emancipação feminina – veio a alterar completamente as relações de trabalho, introduzindo a noção de risco – a ideia de que agora qualquer um/a pode perder o seu emprego a qualquer momento e é preciso planos alternativos. Esta realidade (densificada pela atual pandemia) tem um grande impacto na vida de milhões de jovens no mundo inteiro que, estando num período da vida crucial de grandes incertezas e indecisões, anseiam pelo acesso a um emprego de qualidade, realização e estabilidade profissional que lhes proporcione autonomia e independência. A relação precária dos/as jovens com o trabalho está no centro nevrálgico dos debates sociológicos e educacionais contemporâneos assim como no centro das políticas públicas e dos desafios que as acompanham. Conhece-se o problema: muitos/as jovens que gostariam efetivamente de ter um trabalho, abandonam o ensino básico e secundário e deparam-se com um mercado de trabalho instável e altamente precário, caraterizado por fracas renumerações, ausência de benefícios ou regalias significativas e sem grandes oportunidades de avanço e desenvolvimento. Esse cenário há muito deixou de ser exclusivo desse grupo menos qualificado e aplica-se hoje também aos/às jovens (adultos/as) mais qualificados/as (com Licenciatura, Mestrado, Doutoramento) para os/as quais um diploma deixou de corresponder a uma entrada direta num trabalho na área e para os/as quais, além de não verem os seus esforços compensados, muitas vezes vem na imigração uma alternativa de proporcionar melhores condições de vida. “Porque escolhi eu aquele curso? E se eu tivesse optado por aquela área?” são interrogações que levantam a suspeita de como teria sido os nossos percursos se houvesse algum tipo de acompanhamento antecipado e permitem-nos ver muito claramente a importância medular do desenvolvimento vocacional nas nossas transições juvenis.
Não obstante múltiplas significações, podemos definir o “desenvolvimento vocacional” como um processo longitudinal de aprendizagem de conhecimentos e competências que consolidam uma predisposição para enveredar por determinado tipo de profissão ou carreira. Não sendo propriamente consciente, ele envolve tudo o que a pessoa faz, os significados que a pessoa atribui ao que faz e as suas disposições futuras, realizações passadas, fracassos e desejos presentes, ainda que muitos desses elementos não sejam inteiramente percetíveis. Relacionam-se, antes de mais, com um projeto de vida e as diferentes etapas da sua construção. Como uma intervenção intencional, consciente e antecipada, o desenvolvimento vocacional refere-se a uma estratégia concertada de preparar os/as jovens para a tomada de decisões informada e consciente não só para a escolha de uma profissão, mas também de uma carreira, através do apoio e promoção de práticas de identificação e exploração. Na escola – local por tradição associado ao desenvolvimento vocacional, mas não o único –, uma das suas finalidades é ajudar os/as alunos/as, procurando faze-los/as ver das relações mais estreitas e explícitas entre aquilo que aprendem nas disciplinas escolares e o que necessitarão para o exercício de uma profissão, sem, antes de mais, atender a uma compreensão mais específica sobre si mesmos através da aquisição de processos de autorregulação e competências de tomada de decisão.
Envolvendo um conjunto de atores/agentes sociais – professores/as, pais/mães, psicólogos/as, entre outros/as profissionais como, por exemplo, empregadores/as –, trata-se de uma intervenção que, para o seu efetivo sucesso, devem contribuir o sistema escolar assim como a comunidade envolvente (incluindo famílias), pressupondo a aprendizagem de aspetos relacionados com o mundo do trabalho e das profissões bem como os requisitos necessários para as desempenhar. Ainda que diferentes formas de participação cívica e profissional se constituam como meios, o sistema escolar continua a ser de crucial importância pois é ele que deve ter a responsabilidade desta tarefa de preparar os/as jovens, reconhecendo ao mesmo tempo as especificidades de cada escola e de cada aluno/a que, como indivíduos singulares, necessariamente detém necessidades, interesses e anseios únicos e particulares. Contudo, sabe-se que, muitas vezes, estas instituições nem sempre detém as práticas mais corretas ou atualizadas sendo necessário o recurso a (in)formação complementar para ajudar diferentes profissionais de orientação vocacional. Os regimes educativos do mundo inteiro têm sofrido imensas reactualizações, mas prosseguem desfasados da realidade das pessoas e com as necessidades intrínsecas das sociedades e economias globais.
Um dos autores mais referenciando no âmbito do desenvolvimento vocacional é o psicólogo norte-americano Donald Super. Para Super, o desenvolvimento é um processo que se desenvolve ao longo de toda a vida das pessoas, advogando, pois, uma visão construtivista do conhecimento e da aprendizagem. Uma das suas propostas teóricas mais conhecidas é o modelo das 5 fases do Desenvolvimento Vocacional, em que cada fase representa um estágio de desenvolvimento à boa maneira Piagetiana. Quais são essas fases?
2.1. Fase do Crescimento – Esta é uma fase primária e ocorre simultaneamente com o processo de socialização em que a criança vai aprendendo um conjunto de normas e regras para agir no meio envolvente. Desse modo, vai aprendendo certas dimensões profissionalizantes como o valor da escola e do sucesso, a importância de tirar boas notas, etc. A criança vai construindo assim um autoconceito vocacional;
2.2. Fase da exploração – Esta é a fase que coincide com a adolescência e em que o/a jovem explora um conjunto de papéis de modo a compreender a que profissões aspira, que tipo de funções gostaria de exercer (ou não), que tipos de perfis melhor se encaixa, embora sem deixar se comprometer ainda. Continua num processo de construção de um autoconceito vocacional, agora mais focado.
2.3. Fase do estabelecimento – Nesta fase, o individuo começa a preocupar-se com as suas escolhas e com o sucesso profissional, procurando concretizações mais sólidas. Estabiliza-se no trabalho e consolida-se nas suas funções, mas pode ansiar uma progressão. Está-se diante de um autoconceito vocacional seguro, em que é a construção da carreira que importa.
2.4. Fase da manutenção – Basicamente o sujeito procura manter as realizações até então adquiridas ou então procura outros novos projetos, sobretudo se não se sentir realizado. É o período em que desenvolve um autoconceito vocacional estabelecido, mas pode haver ruturas drásticas, quando este estágio não está ainda consolidado.
2.5. Fase do declínio ou descompromisso – É a última fase e carateriza-se por uma desaceleração da carreira, culimando geralmente com a reforma (podendo ou não resultar em abandono efetivo da atividade profissional). As energias são mais reduzidas o que geralmente leva os sujeitos a procurar um part-time ou dedicar-se mais a outros hobbies.
Muitas práticas de intervenção confinam-se apenas a serviços pontuais e passageiros e não a programas ou acompanhamentos prolongados que vão dando o feedback aos/às jovens. Outras obliteram flagrantemente a estrutura do Sistema de Ensino Português e a sua relação com os resultados obtidos num processo de orientação vocacional assim como os seus instrumentos e diferentes fases. Há vários programas e abordagens (alguns deles, incluem mesmo o trabalho exploratório com crianças e adolescentes), mas o que importa é que há um certo desconhecimento sobre quais são essas abordagens, que tipo de programas existem e quais são as competências práticas que podem ser adotadas nos contextos profissionais de atuação. Não raras vezes se assiste a práticas de intervenção supérfluas baseadas mais no senso comum do que em conhecimento empírico. O Curso Avançado em Ferramentas de Desenvolvimento Vocacional permite colmatar essa lacuna, oferecendo aos/às profissionais de orientação o conhecimento necessário e aprofundado sobre instrumentos empoderadores para o desenvolvimento vocacional de qualidade.
O Curso de Ferramentas de Desenvolvimento Vocacional tem como objetivo geral dotar os formandos de ferramentas capacitadoras para o desenvolvimento vocacional. Na Formação em Ferramentas de Desenvolvimento Vocacional o aluno deve: enumerar as etapas de construção do projeto de vida; reconhecer a participação cívica e profissional como meios para os objetivos de desenvolvimento sustentável; apresentar o bem-estar como competência que pode ser desenvolvida; enumerar as competências para a IV revolução industrial para o emprego; identificar o rendimento e para a satisfação no trabalho; reconhecer os processos de autorregulação e as competências de tomada de decisão.
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