Se existiu algum aspeto positivo na pandemia (se, por ventura, por heresia, se puder imaginar que pode ter havido “aspetos positivos” no meio de uma catástrofe da qual ainda não estamos livres…) é que nunca na história da educação em Portugal, quiçá, no mundo, se falou tanto de Educação à Distância (EaD) como nos últimos dois anos. De um momento para o outro, o EAD, tido como um “parente pobre” das lógicas formativas, passa de uma modalidade educativa marginalizada, para o centro nevrálgico dos debates educacionais contemporâneos, na esteira de uma ampla proliferação discursiva e semântica que atravessa toda a esfera pública (incluindo redes sociais), sobre educação online, e onde se misturam invariavelmente reportagens jornalísticas, testemunhos de professores/as, reivindicações políticas, opiniões de “especialistas”. Deixando de servir somente para quem interrompeu os estudos ou não concluiu um curso superior, e passando a dirigir-se para o/a cidadão/cidadã comum, o mundo passa a debruçar-se sobre o EaD, procurando perceber quais as suas práticas, as suas potencialidades e desafios. Mas ainda assim, vigoram ainda bastantes mitos e inverdades que na era das fake news é importante desconstruir. No cerne da problematização está sobretudo a eficácia das aprendizagens, mas também se questiona o despreparo da sociedade e as dificuldades dos/as educadores/as assim como a democraticidade no acesso às novas tecnologias. Como em qualquer debate, a polarização de opiniões tende a marcar presença assídua e pontual, não admirando que se divida e extreme posições entre aqueles/as que olham de soslaio para o EaD, diabolizando-o com desconfiança quase paranóide, e aqueles/as que o “defendem” com unhas e dentes, como se fosse, de forma autoevidente, uma espécie de salvador de todo os males. Menos comum nesse debate, tão centrado na própria natureza particular do EaD, é interrogar as próprias lógicas e dinamismos do ensino presencial como se a própria natureza ontológica da sua eficácia fosse, per si, um dado adquirido. Ora, como se sabe, a eficácia da educação, antes ou depois da pandemia, segue sendo um dos assuntos mais controversos que existe no campo da pedagogia… Neste pequeno texto propomos desconstruir quatro mitos muito comuns.
Este é talvez um dos mitos mais comuns e que tem consequências nefastas uma vez que alimentam a ideia de um certo facilitismo, de uma consequente desvalorização dos certificados/diplomas (face àqueles que são obtidos no ensino presencial) e de um reconhecimento parco por parte do mercado de trabalho: de que o ensino mais eficaz é o tradicional. A ideia base é que, se no contexto presencial, os/as alunos/as aprendem interativamente e de forma mais comprometida, no contexto EaD, os/as alunos/as distraem-me muito mais facilmente, logo negligenciam mais a aprendizagem. Assume-se que por não ter professores/as fisicamente presentes, o/a aluno/a de EAD tende a ficar desmotivado/a mais rapidamente. Ora, o que esta ideia ignora é a dimensão da motivação que é o elemento mais crucial do processo de aprendizagem. É a motivação que gera o impulso a partir do qual o/a formando/a queira aprender e esta tanto pode ser intrínseca (e.g., desenvolvimento pessoal) como extrínseca (e.g., exercício de determinadas funções ou cargos profissionais). Se um/a aluno/a está desmotivado/a ou com pouca motivação para enveredar por uma formação, tanto se lhe da se a formação ocorre de forma presencial ou à distância pois o que vai determinar o seu interesse e engajamento é precisamente a motivação. É possível que, estando num contexto, à partida, mais familiar, os/as formandos/as se sintam mais tentados/as a relativizar a presença e a dispersar a sua atenção, mas também não é menos verdade que o mesmíssimo cenário de desinteresse também se pode aplicar ao cenário presencial, onde não é incomum se assistir a os/as alunos/as presencialmente na aula, mas terem “mil e uma coisas na cabeça”, mexerem no telemóvel, falarem com o/a colega, entre outros distratores. Ao mesmo tempo, a comodidade e conforto da casa pode ser um fator estimulante à aprendizagem para que aqueles/as que agora tem a possibilidade de aprender via Zoom. Independentemente da modalidade, importa, pois, criar estratégias motivacionais e recorrer a metodologias de ensino ativas e inovadoras, e isto tanto se aplica ao ensino presencial como ao ensino EaD.
Tende-se a assumir que o EaD é exclutório: uma vez que ele exige todo um aparato tecnológico – computadores, conexão à internet e outros artefactos –, nem toda a gente tem acesso a esses artefactos e a questão da democratização apresenta-se como problemática. Este mito esquece uma caraterística distintiva do próprio EaD que é democratizante em si mesmo: a possibilidade de este permitir o acesso e a cobertura de públicos geograficamente dispersos, transcendendo as barreiras de tempo/espaço. Ao possibilitar que diferentes pessoas de todas as partes do mundo possam comunicar em tempo real (de forma síncrona ou assíncrona), permite que um evento educativo ocorra com diferentes grupos distantes, incluindo grupos que não tem acesso à educação ou acesso a determinados temas. Aplica-se muito bem aqui as pessoas em contexto de pandemia, impossibilitadas de se juntarem num contexto presencial. Nesse sentido, o EaD assume uma vertente inerentemente inclusiva e democrática. Se a formação de um grande número de pessoas ao mesmo tempo pode ser pedagogicamente problemática, ela não deixa de ser inerentemente inclusiva pela facilidade de acesso e redução de custos logísticos, não sendo necessário ter um computador potente para estudar. Mesmo os gastos usados ou a falta ou escassez de recursos deveria ser uma responsabilidade das políticas públicas que, em parceria com as organizações da sociedade civil, empresas, etc., devem garantir que toda a gente tem acesso às mesmas.
Um outro ponto controverso é a avaliação, seja ela sumativa e/ou contínua: como garantir uma avaliação justa quando esta ocorre sem a vigilância de um/a tutor/a? As plataformas colaborativas de aprendizagem (e.g., o Moodle) desempenham um papel fundamental aqui garantindo não só que os/as formandos/as acompanhem a formação, obtendo o feedback necessário para a sua evolução, mas que acedam a modalidades de avaliação adaptadas ás suas necessidades e prazos. Nesse sentido, os/as alunos/as podem realizar atividades ou testes, ou submeter trabalhos, em certos prazos pré-definidos, sendo estes geridos automaticamente não só pela plataforma, mas também com o apoio colaborativo de coordenadores/as e técnicos/as que interagem com a própria plataforma. Há uma certa ideia de que o EaD é voltado para alunos/as que desejam tirar um diploma sem muito trabalho, permitindo um certo facilitismo, mas os mecanismos de avaliação seguem tramites muito concretos e são acompanhados tal como já ocorrem no ensino presencial. Mesmo um elemento inerentemente subjetivo como a participação (em sessões síncronas) em conjugação com a assiduidade e com a pontualidade pode ser rastreada objetivamente através de registos online. Este tipo de modalidade contém ainda uma outra vantagem: ao permitir que seja o/a formando/a o/a dono/a das suas próprias modalidades de avaliação, definindo o seu próprio ritmo, o estudo torna-se mais flexível e autónomo que compensa uma eventual carga horária mais reduzida. A própria existência de um corpo de gestão contradiz a ideia de que o EaD compromete “o emprego dos professores”; pelo contrário: representa uma oportunidade impar, inovadora e expansível de criação de emprego e é por isso que hoje profissionais como designer instruccional, nómada digital, entre outros, são considerados “empregos de futuro”.
Em resposta à pandemia, muitas escolas passaram a permitir que docentes deem continuidade às suas aulas, nomeadamente através do uso de ferramentas próprias como aplicativos para reuniões por videoconferência, entre os quais a Zoom. A própria UNESCO recomendou o uso de programas de EAD e plataformas e aplicativos educacionais abertos para que as escolas possam usar. Se isso pode ser limitativo para muitos/as formandos/as, para outros/as, pode ser um desafio, mas seja qual for a perspetiva que se adote, ter um domínio mínimo de algumas competências digitais é fundamental nas sociedades do século XXI. Além disso, uma imersão nas tecnologias, exige uma exploração das tecnologias, que nem todos os atos educacionais exigem. Com o Ead pressupõe-se não apenas o uso de computadores ou internet, mas programas específicos como plataformas colaborativas, recursos e ferramentas digitais. Mesmo nos/as alunos/as reticentes, apresentam um maior grau de tecnofobia, sem motivo aparente. Muitas vezes, as mesmas pessoas que panicam com a Zoom eram aquelas que já usavam o Skype nas suas comunicações pessoais, mas que simplesmente não a entendiam estas novas plataformas como EaD. Antes do boom da internet também se pensava que seria impossível estudar pelo computador e hoje é algo perfeitamente normal. É importante considerar que, por razões económicas ou culturais, nem todos/as os/as alunos/as detém o mesmo ponto de partida, o que significa que podem existir sim algumas dificuldades de adaptação; porém, isso não é uma desculpa para impedir os/as alunos/as de acederem a novos conhecimentos e práticas através do treino e formação: todos/as se podem pode se adaptar ao EAD se for bem orientado.
O Instituto CRIAP conta com Especialização Avançada em Gestão e Organização da Formação onde pode aprofundar as suas competências práticas ao nível do planeamento de formação, incluindo formação à distância.
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