A nova série “Adolescência” da Netflix, não é só mais uma história sobre jovens. É um retrato objetivo, desconfortável e, por vezes, demasiado real do que muitos adolescentes vivem em silêncio.
Na narrativa, seguimos um adolescente aparentemente comum que, após meses de isolamento e humilhação online, é acusado de cometer um ato de violência extrema.
A série não procura justificar, mas compreender. As entrelinhas revelam solidão, incapacidade de pedir ajuda e um sistema que falha em vários níveis. O impacto emocional da série reside precisamente na sua capacidade de mostrar como os sinais estiveram sempre presentes - apenas ninguém os viu.
A adolescência é muito mais do que “uma fase”
Ser adolescente é lidar constantemente com a mudança. O corpo altera, a cabeça acelera, os sentimentos explodem. Há dias bons, outros de puro vazio. Há euforia e, logo a seguir, um aperto no peito sem explicação.
Isto faz parte da construção da identidade. Mas às vezes, os sinais ultrapassam o “normal”. Quando um jovem parece perdido em si mesmo, isolado, constantemente irritado ou sem energia, é preciso parar e observar.
Sinais de alerta
Existem manifestações que, pela sua intensidade, persistência ou impacto, denunciam um mal-estar psicológico profundo. Quando esses sinais se tornam recorrentes ou disruptivos, devem ser interpretados como indícios de sofrimento que exigem uma resposta clínica e empática.
Alguns destes sinais são:
• Mudanças bruscas e persistentes de humor
Um jovem que, num curto espaço de tempo, passa da euforia à apatia ou da calma à fúria, merece uma observação cuidadosa.
• Isolamento social repentino
O isolamento é, frequentemente, uma estratégia de defesa perante sentimentos de inadequação, vergonha ou rejeição.
• Explosões de raiva aparentemente injustificadas
O adolescente pode sentir-se incapaz de expressar as suas emoções de forma funcional. A raiva, nestes casos, é muitas vezes dirigida ao exterior como forma de evitar o colapso interior.
• Desvalorização e negação por parte dos adultos
Um dos aspetos mais preocupantes revelados na série Adolescência é a forma como estes sinais foram sucessivamente minimizados. A ausência de uma rede de escuta atenta e intervenção atempada contribuiu para o aumento do comportamento destrutivo.
A importância da intervenção precoce
Quando os sinais de alerta são reconhecidos numa fase inicial e seguidos de uma resposta adequada, o prognóstico melhora significativamente. A intervenção precoce permite evitar o agravamento dos sintomas, reduzir comportamentos de risco e promover estratégias de autorregulação emocional mais saudáveis.
Além disso, agir cedo evita que o adolescente desenvolva uma identidade baseada no sofrimento, na rejeição ou no fracasso. Não se trata apenas de mitigar sintomas, mas de modificar trajetórias de vida. A adolescência é um período de elevada plasticidade neurológica e emocional, o que significa que mudanças positivas são mais eficazes e duradouras quando são implementadas cedo.
A série Adolescência mostra-nos o que acontece quando se espera demasiado tempo para agir. Na vida real, é imperativo não repetir esse erro.
O papel da escola e uma sociedade
Na série Adolescência, a escola é um dos cenários principais da tragédia. Jamie, o jovem ator principal, é alvo de bullying constante, e Katie, a colega assassinada, também sofria ataques e era vítima de sexting.
Enquanto isso, os professores passam ao lado. Não por maldade, mas por despreparo ou desatenção. Não sabem como agir, não têm ferramentas, e talvez também sintam medo de se envolver. E assim, o ambiente escolar vai-se tornando num lugar onde o sofrimento é normalizado, onde os gritos silenciosos dos alunos perdem-se entre testes, horários e burocracias.
O papel do psicólogo
Num dos episódios mais intensos da série Adolescência, assistimos a um momento de grande tensão emocional: o protagonista, já em evidente sofrimento psicológico, é finalmente encaminhado para uma conversa com a psicóloga. É ali que, pela primeira vez, alguém consegue chegar verdadeiramente até ele.
Ao contrário de intervenções anteriores, onde tudo foi tratado com distância ou “frases feitas”, a Dr.ª Briony mostra sensibilidade clínica e coragem. Em vez de se limitar a ouvir, conduz Jamie com perguntas que o obrigam a olhar para dentro.
Não o pressiona, mas também não o deixa fugir às perguntas. Quer saber o que ele entende por masculinidade, o que sente na ausência do pai, e o que nunca conseguiu dizer em voz alta.
Este episódio mostra-nos a importância de profissionais qualificados, capazes de criar um espaço seguro, mas também de provocar reflexão. Os Psicólogos que não se limitam a acolher, mas que desafiam com empatia. Que reconhecem no adolescente alguém que pensa, sofre e tenta, à sua maneira, ser compreendido.
Porque, às vezes, uma única conversa pode abrir fissuras onde antes só havia silêncio.
Os pais poderiam ter evitado este ato?
A situação trágica que culmina na morte de Katie poderia, em teoria, ter sido evitada se os pais de Jamie tivessem conseguido identificar os sinais mais subtis de sofrimento emocional do filho. Muitas vezes, na vida dos pais, os sinais mais claros de alerta não se apresentam de forma estrondosa ou dramática. Eles surgem em gestos silenciosos, mudanças no comportamento que, à primeira vista, podem parecer inofensivas.
No caso de Jamie, a crescente distância emocional e o seu isolamento no quarto são exemplos clássicos de sinais que, embora pequenos, indicam desconforto interno. Para os pais, o facto de ele "estar em casa" e não causar problemas óbvios parecia o suficiente.
O distanciamento emocional do pai quando Jamie demonstrou não ter grandes dotes nem interesse no desporto, por exemplo, foi um gesto pequeno, mas crucial, que passou a mensagem de rejeição. Se tivesse mostrado mais paciência e compreensão, Jamie talvez se sentisse mais à vontade para expressar as suas frustrações.
Muitas vezes, os pais esperam por comportamentos mais agressivos ou "explosões" como sinal de que algo está errado. No entanto, como é mostrado na série, o maior risco está no silêncio, na retração e no distanciamento progressivo.
Importância de profissionais especializados
A série Adolescência destaca a importância crucial de profissionais especializados e bem preparados para lidar com o sofrimento emocional dos jovens. Psicólogos, educadores e outros profissionais da área da saúde mental têm o poder de identificar os sinais de alerta e intervir de forma eficaz, antes que o sofrimento se intensifique.
O apoio adequado pode fazer toda a diferença na vida de um jovem, ajudando a prevenir tragédias e proporcionando um caminho para a cura e o entendimento.
A presença de profissionais especializados é, portanto, fundamental para apoiar o bem-estar emocional e psicológico dos adolescentes, principalmente em uma época marcada por desafios tão complexos e invisíveis.
Formação contínua: essencial para uma intervenção eficaz
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No dia 30 de abril, este tema será aprofundado no webinar “Série "Adolescência": O que nos ensina sobre a psicopatologia e criminalidade juvenil?” , onde será discutida a a psicopatologia e a criminalidade juvenil, explorando fatores de risco, sinais precoces, e o papel das famílias, das redes sociais e da intervenção profissional na prevenção destes fenómenos.