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Metodologia de Cuidado Humanitude: para uma ética do ser e estar
Não é segredo para ninguém que Portugal é hoje, na esteira do novo milénio, um dos países mais envelhecidos do mundo. Avaliando os níveis e tendências mundiais, não é um caso isolado pois, em todo o mundo, a população com 60 anos ou mais está a crescer mais rapidamente do que todos os grupos etários mais jovens, estimando-se que, em todo o mundo, 962 milhões de pessoas tenha 60 anos ou mais – representando 13% da população global, segundo dados das Nações Unidas. Mas no nosso país, conhecendo as dificuldades estruturais que atravessam muitas das instituições fundacionais das nossas comunidades – como precariedade, desinvestimento, negligência –, esse facto adquire um peso consubstantivo, e tem implicações transversais a todos os setores da sociedade – do mercado de trabalho à área financeira; da habitação à Segurança Social, da saúde aos transportes, passando pelas estruturas familiares, laços intergeracionais e serviços domiciliários. Somos, de facto, um país envelhecido e dados recentes estimam que o número de idosos, com 60 anos ou mais, vai duplicar até 2050 e mais do que triplicar até 2100, passando de 962 milhões em 2017 para 2,1 mil milhões em 2050 e 3,1 mil milhões em 2100.
O setor dos cuidados prestados às pessoas mais velhas tem sido um daqueles campos que mais se tem transformado e sentido a necessidade de desenvolver novas práticas e metodologias que sejam mais próximas das pessoas e, por isso, mais humanas. Conhece-se pelos media situações complemente desumanas de abandono e negligência de pessoas idosas, para não falar de situações claras de violência, e estes são apenas os números conhecidos pois, sob “o manto diáfano da obscuridade”, outras mais situações devem existir, onde as pessoas que mais se dedicaram a contribuir para a sociedade que temos hoje, se vejam a ser tratadas como um pedaço descartável de papel. Apesar de sermos um país com uma grande população idosa, temos (ainda) uma cultura de amplo distanciamento face a este grupo (velado ou expresso), o que se torna preocupante num contexto em que, por sua vez, com o agito da dinâmica capitalística, somos impelidos/as a posturas mais clínicas, frias e distantes de tratar os outros – para os quais, para nós, à maneira Satriniana, são “o Inferno”.
Nos últimos anos, novas filosofias e práticas de cuidado têm sido configuradas e debatidas no sentido de pensar (e repensar) a inclusão não só das populações idosas, mas também dos diferentes grupos sociais que necessitam de cuidados, como, por exemplo, as pessoas que, por diferentes motivos, se encontram incapacitadas, estrutural- ou temporariamente. Um exemplo disso é a recentíssima criação do estatuto do “cuidador informal” (principal ou secundário) – cidadãos que prestem cuidados permanentes ou regulares a outros (familiares) que se encontram numa situação de dependência (pessoa cuidada) – e de todo um quadro legislativo que regula a sua prática, incluindo uma recompensação monetária. Infelizmente, sabe-se que muitas dessas pessoas, por mais portadoras de experiência intuitiva para cuidar “dos seus”, não detém (ainda) as melhores práticas de cuidado. E isto é extensível a profissionais de diferentes instituições e organizações que continuam a insistir em comportamentos de cuidado desajustados e pouco confiáveis das pessoas cuidadas.
Em bom rigor, não existe sequer uma cultura de aprendizagem de “boas práticas” de cuidado e por isso não é incomum se assistir a condutas reprováveis, ora hostis, ora infantilóides. Ora, os desígnios políticos sobre a promoção de uma cidadania ativa em que as pessoas mais velhas são cada vez mais vistas como contribuintes para o desenvolvimento, cujas competências devem estar interligadas com políticas e programas transversais, não se coadunam, pois, com estas práticas, sendo necessário o seu mais profundo questionamento.
Nos últimos anos, tem crescido o interesse por aquilo que, geralmente, se designa como metodologia de cuidado Humanitude, muito particularmente na área da Gerontologia. Em traços gerais, a metodologia de cuidado Humanitude nada mais é que do que uma humanização dos cuidados prestados a pessoas em situação de dependência de cuidados, pautada por um conjunto de princípios e técnicas concretas e explícitas de aplicação prática. Várias são os/as autores/as que se dedicaram a escrever sobre o termo, mas destacam-se aqui os trabalhos de Yves Gineste, Jerome Pellisi e Rosette Marescotti que, ao longo do tempo, vão desenvolvendo uma filosofia prática de cuidado baseada no respeito e na dignidade das pessoas e que seja, ao mesmo tempo, suficientemente sistematizada para que possa ser mimetizada com diferentes sujeitos em diferentes contextos. Hoje em dia, a formação em Humanitude é assegurada por múltiplos institutos em todo o mundo, com alguns estudos a demonstrarem o seu impacto positivo no bem-estar e qualidade de vida das pessoas cuidadas. Do ponto de vista das suas técnicas, segundo a Dr.ª Liliana Henriques, pode-se dizer que a metodologia é composta por 5 fases que passamos a explicitar sucintamente:
1. Os Pré-preliminares que se trata da primeira interação e do primeiro modo de estabelecer comunicação, sempre pautada pelo respeito à privacidade e autonomia do/a paciente. É o momento em que o/a cuidador/ chega a casa do/a sujeito cuidado e o/a interpela.
2. Os Preliminares, por sua vez, tratam-se do primeiro estabelecimento de uma relação de confiança em que são mobilizados os pilares relacionais fundacionais da Humanitude: o olhar, a palavra e o toque. Os preliminares relacionam-se com a aproximação física e contemplam comportamentos como olhar diretamente, mas aproximadamente a pessoa cuidada; chamar a pessoa pelo nome; harmonizar o tom de voz; explicitar e justificar o cuidado. Nesta fase, a obtenção de consentimento e reconhecimento por parte da pessoa cuidada são fundamentais e o toque é basilar nesta fase.
3. A Rebouclage sensorial que diz respeito à metareflexividade positiva do ato de cuidar, i.e., é o momento em que o/a cuidador/a explicita todo os procedimentos que adota, salientando a positividade dos mesmos e procurando estimular os sentidos (e.g., promove a verticalidade, elogia a aparência física do sujeito cuidado).
4. A Consolidação emocional é uma etapa essencial que visa deixar na memória emocional da pessoa cuidada uma impressão positiva da relação estabelecida e do cuidado. Nesta fase, o/a profissional destaca o quanto a experiência foi agradável para ele/a, e procede a uma desvinculação gradual. É uma fase crucial no processo de cuidado.
5. Por fim, temos o reencontro: o momento final em que se planeia um novo encontro futuro, procedendo a agradecimentos e despedidas, mas com cuidado para gerir as expetativas de um potencial sentimento de abandono.
Todas estas fases podem ser aplicadas por diferentes membros das equipas multidisciplinares e tem que ser cuidadosamente geridas de forma a evitar incoerências e constrangimentos, mas sintetizam este amplo processo de humanização do Outro.
As formações centradas na Geriatria e na Gerontologia são uma das áreas coqueluches mais fortes do Instituto CRIAP. Desde da sua fundação, o Instituto CRIAP tem oferecido um conjunto de ações de formação (workshops, cursos, Especializações Avançadas, entre outras) centradas na qualidade sobre a saúde sénior cujo objetivo se centra na aquisição de conhecimentos, competências e práticas de como atuar com populações idosas, reconhecendo a pertinência desta realidade na sociedade. Sempre numa lógica multidisciplinar e até transdisciplinar, que contempla diversos profissionais – psicólogos/as, enfermeiros/as, médicos/as, assistentes sociais, educadores/as sociais, terapeutas, gerontólogos/as e sociólogos/as –, essas formações visam não só à aprendizagem de novos saberes teóricos, mas principalmente o desenvolvimento de um olhar mais crítico sobre as práticas atuais que sustente o endereço de novas propostas a diferentes organizações. É nesse contexto que se insere o Curso de Metodologia de Cuidado Humanitude cujos objetivos gerais são compreender a Filosofia de Cuidado Humanitude e conhecer algumas técnicas cuidativas e relacionais da Metodologia de Gineste e Marescotti.
O Curso Avançado em Metodologia de Cuidado Humanitude é uma mais valia ao nível curricular para finalistas de Mestrado, de Licenciatura, de Pós-Graduação, de Especialização e MBA, no âmbito do prosseguimento de estudos e inserção de mercado de trabalho e muito do seu prestigio decorre, em parte, do seu corpo docente. Uma das cabeças de cartaz é a Dr.ª Amélia Martins. Licenciada em Serviço Social, a Dr.ª Amélia Martins tem uma vasta experiência no âmbito do Snoezelen e da Gerontologia quer em Portugal, quer na Itália, e tem-se dedicado nos últimos anos à investigação doutorada na Psicologia Cognitiva. Já o Dr. João Araújo dispensa apresentações: é um dos fundadores do Instituto Gineste Marescotti em Portugal e traz-nos o olhar da Enfermagem sobre o cuidado a pessoas idosas, além de ter estado envolvido em inúmeros projetos de inovação social. Completando o leque de gabarito, temos ainda a Dr.ª Liliana Henriques que também na área da Enfermagem tem trabalho produzido sobre cuidados paliativos – tema sobre o qual é Mestre – e compreende melhor do que ninguém a importância da humanização dos cuidados de saúde. Estamos, pois, uma formação inovadora que em muito contribui para os direitos humanos das pessoas tanto quanto para a sua valorização pessoal, sobretudo numa fase final da sua vida. Nunca será demais lembrar que cuidar dos outros significa também cuidar de nós e é nesta ética do cuidado que o/a convidamos a embarcar connosco a ser mais e a ser melhor.
O Curso de Metodologia de Cuidado Humanitude tem como objetivos gerais compreender a Filosofia de Cuidado Humanitude e conhecer algumas técnicas cuidativas e relacionais da Metodologia de Gineste e Marescotti. Os seus objetivos específicos são exemplificar as implicações da Filosofia de Cuidados Humanitude nas regras da arte do cuidar; discutir eticamente decisões de cuidados do quotidiano; avaliar e adequar o nível de cuidados ótimo, atendendo às capacidades relacionais e físicas da pessoa; identificar os pilares da Metodologia de Cuidado: olhar, palavra, toque durante os cuidados; refletir sobre a Captura Sensorial nos cuidados a pessoas vulneráveis e identificar obstáculos relacionais durante os cuidados.
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